domingo, março 14, 2004

A PRIMEIRA VEZ

Sempre pensei que andar de avião tinha imensa piada… até ao dia em que me meti num pela primeira vez.
“Medo? Medo? Qual medo? Deve ser espectacular andar de avião!” – era o que eu ripostava quando alguém me falava nesse assunto. O dia D aproximava-se, eu sonhava em ver as nuvens ao nível do meu nariz e fitar a terra lá de cima, com prepotência q.b.. “Medo, qual medo? Vou a adorar!!!”. A ansiedade era corrosiva, tal como a excitação. Entrei naquele bicho enorme e observava cada pormenor com uma atenção gulosa e indiscreta, o friozinho no estômago tinha chegado para ficar, mas o entusiasmo era supremo.
Sentei-me e segui todas as instruções. Apertei o cinto, acomodei-me no assento e preparei-me para a descolagem. Sentia a adrenalina a invadir-me o corpo e nunca mais me esqueço quando o avião arrancou e desbravou a imensidão do firmamento. Quando finalmente estabilizou, começou a rotina das hospedeiras e eu continuei colada à janela. A trepidação começou a dar o ar da sua graça e em breve o meu entusiasmo começou a empalidecer. Apercebi-me que estava que estava no ar, a muitos pés acima do chão firme e esperei que o pânico tomasse conta de mim. Queria sair dali!!! “ E se esta bodega cai???” Tinha a cabeça a mil, os sentidos em alerta máxima e qualquer alteração de ruídos era uma bomba a detonar dentro de mim…!
A minha aflição devia ser visível. Sentia a pele gelada e a respiração difícil. Ao meu lado, um homem tranquilo e relaxado, na ternura dos quarenta, com estilo de um executivo que viaja todas as semanas como osso de ofício. Fitava-o incessantemente, procurando na sua aparência despreocupada a calma que eu não tinha, que me fizesse sossegar um pouco e sentir que estava tudo bem. Com um sorriso nos lábios, interpelou-me com serenidade: “Es tu primer viaje en avión…?”. Tentei responder mas a voz prendia-se e não conseguia articular um único som. Acenei com a cabeça e ele voltou a sorrir: “No te agovies, no pasa nada!”. E começou a divagar sobre as suas viagens sucessivas, as rotinas e as peripécias de quem voa tantas vezes. “Tranquilizate, el avión es un transporte muy seguro!”. E, aos poucos, comecei a desanuviar, acoplada a cada palavra que lhe escorregava, com o dom de quem faz da calma uma divisa de eleição. O tempo parecia parar e dei por mim a sobrevoar Madrid, cinzenta e agridoce. O alívio da aterragem que se adivinhava permitiu-me uma inspiração profunda e a sua voz doce irrompeu, com a placidez que o caracterizava, “Mucha suerte y no te preocupes…”.
Dirigi-me à zona dos terminais em passo lento e compassado. Os pensamentos assaltavam-me ininterruptamente “Porque raio não há voos directos para o Porto?”. O meu pesadelo ainda se prolongava por mais 45 minutos de metragem…
Ainda não perdi o medo… e, na verdade, acho que jamais me livrarei dele…

Duende

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

hahahahahaha
olha não faço nem idéia de quem vc seja, mas eu estava deitada, prestes a ir dormir e começei a pensar na minha viagem pra paris mês que vem...
só que eu nunca andei de avião e estou pensando que vai ser ótimo, aquela excitação que vc relatou
não consegui dormir antes de voltar pro pc e digitar "avião primeira vez"
assim dei de cara com seu blog...hahahhaa
hilário, medo também, mas mal posso esperar.

10:03 da manhã  

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