quinta-feira, novembro 27, 2003

TRIAGEM


Este é um caso de estupidez (talvez inofensiva) digna de relato, um típico flagrante da vida real. Para ser fiel ao testemunho do meu amigo, começo por dar umas breves explicações para se perceber o contexto da história.

Várias unidades hospitalares do nosso país adoptaram, mais ou menos recentemente, o Sistema de Machester, que implica a adopção de uma série de medidas com vista a conferir maior eficácia ao atendimento nas urgências médicas, reduzindo o tempo de espera e dando prioridade aos casos de maior gravidade. Deste modo, todos os utentes devem ser submetidos a um processo de triagem, feita por um clínico geral, onde é feito um pré-diagnóstico ao doente que, posteriormente, será conduzido apropriadamente em função do seu estado clínico.
Assim sendo, um doente que se dirige à urgência tem de: 1) passar pelo porteiro, que 2) o conduz à triagem e, consequentemente, 3) é canalizado para a especialidade médica, a fim de ser tratado. Este processo é respeitado sem excepção, mesmo que o utente venha transferido de outra unidade de saúde e traga a carta de transferência, onde consta a sintomatologia e o diagnóstico primário, assinado por um médico (ou seja, uma triagem em dose dupla para um mesmo objectivo, o que é, no mínimo, questionável…).

Na sequência de um acidente de viação, uma unidade do INEM foi chamada a acorrer ao local do sinistro. Constatando que a única pessoa envolvida no despiste se encontrava já cadáver, esta equipa procedeu ao transporte do sinistrado para o hospital da área, a fim de seguir para a morgue. Segundo o técnico de saúde (meu amigo) que testemunhou esta história, este é o procedimento habitual para estas situações. Quando os paramédicos chegaramm à urgência para dar a entrada do cadáver na morgue, foram imediatamente interpelados pelo porteiro.
(Não me parece que esta situação mereça grandes explicações, a julgar pelo cenário – dois paramédicos do INEM, carregando um saco preto nos braços, próprio para cadáveres e pesando bastante - não restam dúvidas.)

E tem lugar ao seguinte diálogo:

Porteiro: sim?
1º paramédico: (pasmo) Eh…eh… Está cadáver…
Porteiro: Triagem, siga.
2º Paramédico: (perplexo) Desculpe…?
Porteiro: Vai pá triagem.
1º paramédico: (incrédulo): Mas vai para a morgue…!
Porteiro: Triagem, triagem, passa tudo pela triagem!
2º Paramédico: (colérico) Mas já está morto!
Porteiro: Vai à triagem na mesma.


E eu pergunto, que diagnóstico se dá a um cadáver…? Numa triagem de uma urgência de um hospital lotado de gente…? Nenhum, diz o senso comum, o senso comum existe para se concluir estas coisas simples. Mas este porteiro não incluiu o senso comum na lista de compras semanal… decorou as regras e limita-se a aplicá-las, mainada…!

Aconteceu num hospital da zona Norte. E eu fiquei a pensar: aos gilipollas, nem os mortos escapam…


Duende